sexta-feira, outubro 14, 2011

Leituras

No momento em que caí das nuvens e tomei conhecimento da decisão de Joana de não continuar com a gravidez, e que até já apresentara a demissão ao patrão nessa mesma manhã, abati-me sobre os seus pés e, de cabeça tão baixa e humilde, que a mais não podia, como se ela fosse a deusa dos meus passos, supliquei que me deixasse ficar com a criança, que eu a educava sozinho, que seria um pai exemplar, que lhe prometia o que ela quisessem que lhe daria dinheiro para todas as despesas e mais alguma, que tinha algum dinheiro de parte para a educação e afins, que nunca revelaria a identidade da mãe. E era no corpo dela todos os meus sonhos. E o corpo dela desapareceu no nevoeiro das minhas retinas salientes, que pingavam copiosamente.
Regina Samagaio - "Entrevista de emprego"


Há porventura quem acredite que um burro não pensa. Engano seu. Os burros são como os homens. Em ambas as espécies, há alguns dados ao raciocínio.
Emílio Gouveia Miranda – "João, O Trovador"

Maria era uma puta triste porque não sabia o que era o amor. Maria era uma puta rodada, experiente, envelhecida e mal-amada. Gastara o seu corpo no uso dos homens, perdera o caminho das emoções, esvaziara-se de sentimentos à conta de tanto os fingir. Quando deu por si, sentiu-lhes a falta como à casinha de bonecas que tanto quis e nunca teve e amargurou na ausência de um coração que ainda pudesse ser trocado pelo amor.

Maria João Lourenço - “Maria”



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