Os amigos. Entrariam-nos numa casa em chamas para nos salvarem. Mentem por nós à nossa própria mãe. Sabem de nós mais do que somos capazes de lhes dizer. Jurariam que à hora do crime estávamos a tomar chá com eles. Mesmo que a polícia nos encontrasse com as mãos cheias de sangue. “São rosas, senhores. Andei com ela toda a tarde a cortar rosas, senhores. Sangue de espinhos, senhores.”
Eles exigem-nos coisas do nada. As nossas lágrimas. O nosso lenço de assoar. A pele dos nossos inimigos. As batatas fritas do nosso bife. A nossa melhor roupa, por uma noite. Exigem-nos tudo o que nos dão. É preciso regá-los regularmente: é nos ombros deles que cai a água dos nossos olhos. Eles espevitam-nos o sentido de humor quando menos nos apetece. E depois ficam connosco quando as luzes se apagam e toda a gente se foi embora. Só aos amigos é dado o espectáculo da nossa miséria.
A paixão é uma fatalidade fácil. Uma aparição divina, só. Não há maneira de a prender por toda a vida. Por isso a embrulhamos no áspero papel da amizade. Para preservar e esquecer.
À paixão aceitam-se confissões de ciúme, voragens de posse. À amizade não. Somos capazes de confessar tudo aos nossos amigos menos a insegurança que nos mói:- Não, não gostes mais dele do que de mim.
Inês Pedrosa in "A instrução dos amantes"
2 comentários:
Muito bonito e verdadeiro. Espero que esteja tudo bem...
XinXin
gostei especialmente da parte em que se confessa a quantidade de vezes em que os amigos sabem mais do que nós mesmos... quantas vezes... beijinhos Amiga, de nós em Madrid
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