sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Das coisas que me assustam :)

E no entanto, pela primeira vez na vida, assumi um compromisso. Comprei uma casa e endividei-me até à terceira idade. Serei uma velha quando acabar de pagar o empréstimo ao banco. (existirá uma versão de mim com setenta anos? Não sou capaz de imaginar.) Estou no meu apartamento novo, de paredes cor de baunilha e cozinha de encastrados e roupeiros com luz interior. É tudo tão novo e polido e reluzente, que me assusta. Não é propriamente a dívida, é a ordem. [...]
Olho para as paredes e sinto que elas me oprimem, pressionadas por um futuro de quarenta anos de prestações mensais e um presente sempre igual, insonso e estagnado. Uma vez na vida, tive coragem de dizer não, mas depois disso foi um sem-fim de silêncios que todos interpretam à luz do provérbio "quem cala, consente". Vejo que escolhi a via do comodismo e agora olho para mim e vejo-me encalhada. Não propriamente no sentido brejeiro da mulher sem marido nem prole, mas na acepção literal de embarcação que deu em seco, que está imobilizada, incapaz de continuar. Se soubesse usar um astrolábio, aonde me levaria ele? (...)

Tânia Ganho, "Cuba Libre".

terça-feira, fevereiro 23, 2010

A sombra do que fomos, Luis Sepúlveda

Como restaurar ideais. Como voltar do exílio. A vida de 3 ex-exilados que aguardam Pedrito Nolasco para o último e derradeiro golpe depois do golpe militar falhado contra Pinochet. Três personagens velhas, quase caducas do ponto de vista uns dos outros. Pedro Nolasco, O Sombra, acaba por não chegar, o destino - e a fúria de uma mulher farta dos electrodomésticos com que o marido sempre se soube distrair sem nunca trabalhar - encarregou-se de o matar com um gira-discos na cabeça. Um romance de ideais, num Chile onde ainda se sonha com a justiça de um dia chegar àquilo por que tantos lutaram.                                                            A ler.

Eu sei que às vezes mais vale estar calada

... mas não consigo!

Ainda não pesquisei sobre o que se diz hoje do novo programa de Miguel Sousa Tavares na Sic.

Tive o "prazer" de ver um bocado do programa, até à parte em que me irritei e me fui embora - e até nem foi uma das minhas fúrias contra o "digníssimo" convidado que MST teve a "honra" de entrevistar. Nos últimos dias li e ouvi algumas opiniões de MST relativamente ao Processo Face Oculta, mais precisamente acerca daquilo que ele considera ser "mau jornalismo" e do facto de no dia em que é interposta a Providência Cautelar para que o Jornal "Sol" não fosse posto à venda, ter dito que era qualquer coisa como "escandaloso" não se cumprir uma Providência Cautelar (não sei se entretanto percebeu que a dita nunca chegou às mãos das pessoas a quem era destinada).

Manifestou-se contra a publicação das escutas por considerar que um bom jornalista deveria investigar primeiro, independentemente de ter acesso privilegiado às escutas, e depois sim, com informação mais sólida, publicar aquilo que sabe. E eu até concordo. Daquilo que discordo é que a maioria do tempo da entrevista a José Sócrates, MST se tenha esquecido que se tinha manifestado contra a publicação das escutas, não parando de falar nelas e de interrogar o Sr. Primeiro Ministro acerca delas, dando-lhe espaço para dizer o óbvio: ELE (PM) NUNCA TEVE CONVERSA NENHUMA SOBRE NENHUM DOS ASSUNTOS PUBLICADOS NO SEMANÁRIO SOL, E NÃO PODE FALAR DAS CONVERSAS PRIVADAS QUE OUTROS TIVERAM, PORQUE NÃO TEM CONHECIMENTO DE NADA. (alegadamente)

Não entendo. Mas a sério que gostava de entender. Acima de tudo gostava de perceber se MST não considera que deu "um tiro no pé" - não querendo com isto dizer que tinha como objectivo "deitar abaixo" o PM, mas não teria concerteza o objectivo de o ajudar. E ajudou.


segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Frases

Sou a sombra do que fomos e enquanto houver luz existiremos

Quis responder que do exílio não se regressa, que qualquer intenção de o fazer é um engano, uma tentativa absurda de habitar um país guardado na memória. Tudo é belo no país da memória, não há percalços no país da memória, não há tremores e até a chuva é grata no país da memória. O país de Peter Pan é o país da memória.

in "A Sombra do que fomos", Luis Sepúlveda

sábado, fevereiro 20, 2010

Em busca do Carneiro Selvagem,Haruki Murakami

Gatos, Mulheres, Cigarros, Whisky, Cerveja, Jazz... Dominam claramente o universo de Murakami. Em busca do Carneiro Selvagem não foge a essa "normalidade". Ou antes, poderá ter começado assim, uma vez que é dos romances mais antigos do escritor: talvez por isso não seja um dos meus preferidos, o que só demonstra que há, de facto, evolução no que escreve Murakami. Paisagens muito perto do bucólico, um Japão quase desconhecido, personagens "normais" e outras muito dentro da normalidade do autor - quase fantásticas. A busca de um carneiro com uma estrela no lombo, uma mulher com as mais bonitas orelhas, o reencontro com o passado. A eterna luta entre o bem e o mal.
Não descansarei enquanto não ler toda a bibliografia de H.M. Já faltou mais!

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Mandela

Na vida apercebemo-nos que há determinados momentos em que, por muito que os anos passem, sabemos exactamente onde estávamos. Há 20 anos, eu estava em casa da Ana e do Gonçalo. Muito provavelmente a torturar o desgraçado do Sting, o cão que volta e meia tratávamos como se fosse um bébé.
Lembro-me perfeitamente de, na sala (julgo que durante a tarde, pelo menos é essa a imagem que tenho) o Fernando nos ter chamado a atenção para o que estava a acontecer. Qualquer coisa como "Vejam isto. É um momento histórico, que vai ser recordado para sempre". Lembro-me que não percebi porque dizia aquilo, mas sei que parei para ver, já que estava a assisitir a um "momento histórico".
Não tinha consciência política, ainda (e ainda bem!). Não sabia porquê, mas parecia-me muito injusto que um senhor já velhinho e sorridente tivesse estado 27 anos na cadeia.

20 anos depois recordo aquele momento que não compreendi na altura. Hoje, já com a (possível) consciência política formada (ou deformada, depende da perspectiva!) penso que há coisas que vão muito para além da política. Mandela esteve 27 anos encarcerado, privado de liberdade por ter defendido a liberdade. 27 anos a viver num cubículo onde certamente o comum dos mortais teria dado em doido. Mandela passou a defender aquilo que a Humanidade ainda não compreendeu que pode ser muito bem a solução para tudo. Defendeu aquilo que tantas vezes insistimos em não fazer, ou que tantas vezes tentamos e não conseguimos. Mandela defendeu o Perdão, "o maior poder de todos".

Hoje agradeço a felicidade de me lembrar daquele momento (obrigada, Fernando!). Hoje que o compreendo, resta-me apenas prestar uma pequena homenagem a este grande homem. No filme "Invictus", de Clint Eastwood, baseado no livro de John Carlin, recentemente estreado em Portugal, conta-se parte da história. Uma das frases que Mandela diz (na figura de Morgan Freeman) é "Forgiveness liberates de soul. It removes fear. That is why it is such a powerful weapon". Invictus é também o nome de um poema de William E. Henley que inspirou Mandela e que termina com estes dois versos duma "brutalidade" impressionante:

I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.


quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Será hoje...

... que vou dar (mais) um desgosto de morte à minha Santa Mãe? Que vai acontecer, vai. Só não sei se é hoje, dada a minha relutância no que respeita a agulhas...

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Dos antagonismos...

Podemos muito bem, se for esse o nosso desejo, vaguear sem destino pelo vasto mundo do acaso. Que é como quem diz, sem raízes, exactamente da mesma maneira que a semente alada de certas plantas esvoaça ao sabor da brisa primaveril.
E, contudo, não faltará ao mesmo tempo quem negue a existência daquilo a que se convencionou chamar destino. O que está feito, feito está, o que tem de ser tem muita força e por aí fora. Por outras palavras, quer queiramos quer não, a nossa existência resume-se a uma sucessão de instantes passageiros aprisionados entre o «tudo» que ficou para trás e o «nada» que temos pela frente. Decididamente, neste mundo não há lugar para as coincidências nem para as probabilidades.
Na verdade, porém, não se pode dizer que entre esses dois pontos de vista exista uma grande diferença. O que se passa – como, de resto, em qualquer confronto de opiniões – é o mesmo que sucede com certos pratos culinários: são conhecidos por nomes diferentes mas, na prática, o resultado não varia.

Haruki Murakami, "Em busca do Carneiro Selvagem"

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Pensamento do dia

"Isto às vezes é tremendo porque a gente quer exprimir sentimentos em relação a pessoas e as palavras são gastas e poucas. E depois aquilo que a gente sente é tão mais forte que as palavras..."


António Lobo Antunes

Dedicado à LG. Por continuar a ter paciência para me ouvir. Por me ensinar a "serenar", por me dizer (muitas vezes) as palavras certas no momento certo. Por me ter deixado ir para casa, naquele dia, a sorrir quando tudo faria prever o contrário.  

1 ano

Faz hoje um ano que me sentia o mais infeliz dos seres. Faz hoje um ano que mudei de emprego, um ano em que durante semanas (longa, muito longas semanas) ia trabalhar de lágrimas nos olhos, sem vontade, sem ânimo. Sabia que ia passar, tudo passa. Sabia também que era eu que tinha de me esforçar. Só dependia de mim. Um ano passado tudo (isso) passou. Aprendi muita coisa. Insurgi-me algumas vezes contra aquilo que não me parecia correcto (como sempre, não tantas vezes como me apeteceu). Um ano passado almoço com as ex-companheiras de trabalho e percebemos que um ano passou. E ainda ali estamos. Ganhei novos amigos (nada, mesmo nada vale mais do que isso), mantive outros. Um ano passa a correr. Um ano depois aqui estou. Para o ano... veremos.

A Rainha no Palácio das Correntes de Ar, Stieg Larsson

Fenomenal. Talvez o melhor da triologia Millennium do escritor que os leitores deste blogue já conhecem. Personagens conhecidas, outras nem tanto, e mais uma vez a maioria com uma densidade que não se adivinharia num texto corrido, cheio de descrições mas ainda assim simples e objectivo. Lisbeth, a estranha rapariga que surge logo no primeiro livro da saga, é nesta obra a personagem central: é à volta e a partir dela que surgem as restantes personagens surgem, inclusivamente o jornalista Mikael Blomkvist que se vê enrolado, mais uma vez, em toda a trama, por um lado por pura coincidência e por outro porque há, desde "Os homens que odeiam as mulheres" uma relação ainda que estranha, ainda que confusa, com Lisbeth, a quem deve a vida. Desta vez é toda a história da infância e juventude de Lisbeth que explicam o seu feitio pouco sociável, o seu ódio tantas vezes descrito pelas instituições suecas, depois de "todo o mal" ter acontecido na sua infância. É aqui que tudo se explica, e onde Lisbeth percebe que afinal tem mais pessoas em quem pode confiar, onde percebe que deve a sua vida - a sua liberdade - em quem nunca depositou confiança alguma. "A vingança é uma força poderosa".