E no entanto, pela primeira vez na vida, assumi um compromisso. Comprei uma casa e endividei-me até à terceira idade. Serei uma velha quando acabar de pagar o empréstimo ao banco. (existirá uma versão de mim com setenta anos? Não sou capaz de imaginar.) Estou no meu apartamento novo, de paredes cor de baunilha e cozinha de encastrados e roupeiros com luz interior. É tudo tão novo e polido e reluzente, que me assusta. Não é propriamente a dívida, é a ordem. [...]
Olho para as paredes e sinto que elas me oprimem, pressionadas por um futuro de quarenta anos de prestações mensais e um presente sempre igual, insonso e estagnado. Uma vez na vida, tive coragem de dizer não, mas depois disso foi um sem-fim de silêncios que todos interpretam à luz do provérbio "quem cala, consente". Vejo que escolhi a via do comodismo e agora olho para mim e vejo-me encalhada. Não propriamente no sentido brejeiro da mulher sem marido nem prole, mas na acepção literal de embarcação que deu em seco, que está imobilizada, incapaz de continuar. Se soubesse usar um astrolábio, aonde me levaria ele? (...)
Tânia Ganho, "Cuba Libre".
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